"A REGRA DO JOGO" - Cláudio Abramo - UM TRECHO: CONTUNDENTES OPINIÕES A RESPEITO DE LOURENÇO DIAFÉRIA



Na postagem anterior comentamos o imbróglio em torno da publicação, na Folha de S. Paulo, de crônica na qual Lourenço Diaféria cutucou Caxias e causou melindres aos militares, em 1977.
Dias depois de trazermos aquela crônica ("Herói morto. Nós."), caiu-nos na mão o instigante livro de Cláudio Abramo ("A Regra do Jogo"), que numa das passagens relata o episódio do seu afastamento da direção do jornal Folha de S. Paulo, por interferência da cúpula do Regime Militar. Como se verá adiante, a publicação da crônica foi o pretexto para sua saída. A opinião de Abramo a qualificar o episódio é contundente em relação a Diaféria ("Minha interpretação é que ele agiu como provocador ou foi manipulado.") e lança rigorosas observações a respeito das suas qualidades literárias .
"A Regra do Jogo" é leitura indispensável para a compreensão do jornalismo impresso brasileiro contemporâneo e sobre como chegamos até ele.
O livro é composto a partir de depoimentos de Abramo - prestados a vários jornalistas - no espaço de 10 anos. Traz, ainda, em uma diagramação distinta do livro propriamente dito, artigos publicados nos jornais e revistas em que trabalhou.
Vamos ao trecho:

"FUI AFASTADO [da Folha de S. Paulo] de novo em 1977. Estou convencido de que, nesse episódio, houve uma mistura de vários componentes. Um deles era a necessidade que o jornal tinha de abrir caminho para o pessoal novo que vinha chegando, que no fundo também foi o que acontecera no Estado, e que é normal. Só achei ruim o Frias não ter discutido a questão comigo, pois eu teria compreendido perfeitamente. Outro foi o fato de que eu tinha de novo ficado muito importante. O general Sílvio Frota, que era o ministro do Exército do presidente Geisel, estava preparando o golpe. Se ele vencesse, eu seria fuzilado e Frias preso; e, se Frota tentasse o golpe e perdesse, o herói seria eu. De modo que a situação não interessava a Frias, de um jeito ou de outro. Pode-se dizer também que, no projeto de abertura, houve um acordo tácito entre os militares e os donos de jornais. Creio que eles não chegaram a falar no assunto, mas deve ter havido um entendimento implícito de tirar os chefes de redação que eram trouble-makers. Subitamente, num prazo de dois ou três anos, fomos quase todos eliminados. Janio de Freitas já estava fora de direção, mas em sucessão saímos AIberto Dines, Mino Carta, eu.
A razão visível para meu afastamento, na verdade um pretexto, porque a situação estava madura para eu cair (até tinha dito isso para Radhá poucos dias antes), foi uma crise criada com a publicação de uma crônica de Lourenço Diaféria, que o Exército julgou ofensiva à memória do duque de Caxias. Diaféria foi preso. Mas qualquer jornalista médio sabe que não se mexe no duque de Caxias, e ele sabia disso. Minha interpretação é que ele agiu como provocador, ou foi manipulado. Por conta da publicação da crônica, colocou em risco um projeto muito maior. Por isso acho que agiu como provocador policial. Com sua prisão, o jornal decidiu publicar a coluna em branco, numa reunião de que participaram Frias, seu sócio Carlos Caldeira Filho, Ruy Lopes e eu. Fez-se uma votação, na qual Frias, Caldeira e Ruy votaram a favor da coluna em branco. Eu me opus, votei contra, dizendo que eles não tinham nenhum tanque para resistir e fatalmente seriam forçados a recuar. Mas nessa altura eu já estava no chão. No dia seguinte o general Hugo Abreu, chefe da Casa Militar de Geisel, ligou para o jornal e Frias pediu que me demitisse; e me demiti. Ele não me demitiu, pediu que eu o fizesse.
Dias depois, fui interrogado por um inspetor especial, na Polícia Federal, sobre a tal coluna de Diaféria. Expliquei que a coluna havia sido mandada para a oficina à minha revelia, e que eu não a publicaria, se tivesse sabido de seu conteúdo. E que, por mim, demitiria Diaféria, um cronista muito medíocre; ele tentou fazer algo que demandaria o talento de um grande escritor. Eu teria tirado a alusão ao duque de Caxias, não porque ela não devesse ser feita, mas porque para isso seria necessário alguém que manejasse muito bem a língua, que manipulasse bem as palavras. O que não era o caso de Diaféria.

ILUSTRAÇÃO: Cláudio Abramo.

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